PERCEPÇÃO, AÇÃO E CONHECIMENTO NAS CRIANÇAS CEGAS
ESPERANZA OCHAITA E ALBERTO ROSA

1. Introdução

A cegueira é um tipo de deficiência sensorial e, portanto, sua característica mais central é a carência ou comprometimento de um dos canais sensoriais de aquisição da informação, neste caso o visual. Isto, obviamente, tem conseqüências sobre o desenvolvimento e a aprendizagem, tornando-se necessário elaborar sistemas de ensino que transmitam, por vias alternativas, a informação que não pode ser obtida através dos olhos.

Sob a denominação geral de cegueira ou deficiência visual, são englobados um grande número de distúrbios visuais de características e etiologias muito diversas. Para os propósitos deste capítulo, interessa- nos somente mostrar a heterogeneidade da população dos deficientes visuais em duas dimensões: o grau de diminuição da visão e o momento do surgimento dos problemas visuais. Ambas as dimensões variam, com freqüência, mais de um modo contínuo que de forma discreta; desde indivíduos que têm uma visão residual importante a outros que não conseguem sequer perceber a luz, passando por um variado repertório de distúrbios entre os quais podemos apontar, entre outros, diminuições no campo visual, impossibilidade de fixar o olhar sobre um objeto, ou diminuição do grau de acuidade visual. Por outro lado, se o distúrbio é congênito ou adquirido - e, neste último caso, o momento de seu surgimento -, ou se surgiu de forma súbita ou gradual, são, também, questões que devem ser levadas em conta, no momento de avaliar suas conseqüências sobre o desenvolvimento. Resumidanente, sob o título comum de deficientes visuais, encontramo-nos diante de um grupo bastante amplo de casos em que a perda da visão, dependendo de sua gravidade e do momento de surgimento, pode ter exercido um efeito diferente sobre o desenvolvimento psicológico. A estas duas fontes de variabilidade deve-se acrescentar, logicamente, os próprios fatores causadores da heterogeneidade da população infantil normal, como as diferentes circunstâncias sociais, familiares e psicológicas. Como no caso de qualquer outra deficiência, a aceitação da deficiência por parte da família e da sociedade é, também, um elemento importante que deve ser levado em consideração.

A carência ou a séria diminuição da captação da informação, por um canal sensorial da importância da visão, faz com que a percepção da realidade de um cego seja muito diferente da dos que enxergam. Boa parte da categorização da realidade reside em propriedades visuais que se tornam inacessíveis ao cego, mas isto nao quer dizer que careça de possibilidades para conhecer o mundo ou para representá-lo; o que ocorre é que, para isto, deve potencializar a utilização dos outros sistemas sensoriais. DoiS sentidos mostram-se, então, como especialmente importantes: o ouvido e o sistema háptico. O primeiro deles adquire, no cego, funções teleceptoras de grande importância, a algumas das quais nos referiremos neste capítulo. O tato, por sua vez, é o sentido que permite ao cego o conhecimento sensorial dos objetos animados e inanimados que onstituem o ambiente. Dada a importância que este sentido assume para os deficientes visuais, dedicar-lhe-emos uma atenção especial nas páginas seguintes. Cada um destes sentidos possui certas possibilidades informativas peculiares, que provêm da própria estrutura anatômica dos receptores sensoriais e do desenvolvimento das habilidades perceptivas correspondentes. Isto faz com que os objetos do mundo tenham uma saliência perceptiva diferente da visual, em cada uma destas modalidades, e que a imagem da realidade que o cego percebe seja diferente - nem melhor nem pior - que a que os videntes possuem.

Todas as teorias contemporâneas sobre o desenvolvimento psicológico ressaltam que é através da ação sobre o ambiente e da comunicação social que se alcança o domínio das habilidades mentais que possibilitam o conhecimento da realidade. Não é, pois, de se estranhar que o desenvolvimento dessas habilidades tenha que se ajustar às possibilidades de representação e ação que os canais sensoriais permitem. Isto faz com que o desenvolvimento cognitivo do cego siga um caminho que não tem por que ser coincidente com o dos videntes. Um segmento deste capítulo é dedicado a descrever como, através de uma seqüenciação peculiar, os cegos podem adquirir um conjunto de habilidades intelectuais perfeitamente comparáveis às dos videntes.

A falta de visão afeta, também, algumas atividades específicas. Talvez, a mais importante de todas seja a movimentação no espaço físico, mas o acesso à informação escrita através da leitura, também, é importante. A cada uma delas dedicaremos, também, nossa atenção.

Por último, e antes de começar a examinar diferentes aspectos específicos, queremos destacar a extraordinária importância que a linguagem tem para os cegos. Em um número considerável de ocasiões, será através de veículos lingüísticos que estes indivíduos conhecerão e aprenderão a manipular, mentalmente, a realidade que os cerca.

2. O tato

O sistema sensorial mais importante que a pessoa cega possui, para conhecer o mundo, é o sistema háptico ou tato ativo. Como vamos ver, ao longo deste capítulo, muitas das peculiaridades do desenvolvimento cognitivo das pessoas cegas podem ser explicadas em relação às características da captação e processamento da informação mediante o tato.

É necessário diferenciar entre tato passivo e tato ativo ou sistema háptico (Gibson, 1966). Enquanto no primeiro a informação tátil é recebida de forma não intencional ou passiva (como a sensação que a roupa ou o calor produz em nossa pele), no tato ativo, a informação é buscada de forma intencional pelo indivíduo que toca. Assim, pois, no tato ativo encontram-se envolvidos não somente os receptores da pele e os tecidos subjacentes (como ocorre no tato passivo), mas também a excitação correspondente aos receptores dos músculos e dos tendões, de maneira que o sistema perceptivo háptico capta a informação articulatória motora e de equilíbrio. Assim, Gibson destaca a importância da atividade no conhecimento do mundo mediante o tato, da mesma maneira que o movimento ou atividade perceptiva é necessária na percepção visual. Quando um cego está explorando com as mãos um objeto estranho, para reconhecê-lo, ocorre algo parecido a quando um vidente olha uma forma complexa e desconhecida para posteriormente desenhá-la. As mãos, como os olhos, embora de forma mais lenta e sucessiva, movem-se de forma intencional para buscar as peculiaridades da forma e poder, assim, obter uma imagem dela.

Não obstante, existem importantes diferenças entre a percepção e o processamento da informação mediante o tato e a visão. Sem dúvida, a captação da informação mediante o tato é muito mais lenta que a proporcionada pelo sistema visual, o que traz consigo uma explicação de caráter seqüencial. Isto dá lugar a uma maior carga na memória de trabalho, quando os objetos a serem explorados são grandes ou numerosos. Imaginemos, por exemplo, o tempo que um cego leva para explorar um objeto grande, como uma mesa, e a quantidade de pequenas percepções que deverá integrar até obter sua imagem, se compararmos com a rapidez da exploração visual desta mesma mesa. Além disso, enquanto o tato somente pode explorar as superfícies situadas no ambiente que os braços alcançam, não servindo para conhecer espaços distantes, a visão é o sentido útil por excelência para perceber objetos e sua posição espacial a grandes distâncias.

Portanto, o tato constitui um sistema sensorial que tem determinadas características e que permite captar diferentes propriedades dos objetos, tais como temperatura, textura, forma e relações espaciais. Passemos, agora, à revisão, de forma resumida, das capacidades perceptivas do sistema háptico, a partir de uma perspectiva genética.

A textura parece ter, para o tato, uma saliência perceptiva semelhante à da cor, para a visão. Assim, as diferenças de textura são captadas pelo tato muito precocemente, a partir dos três ou quatro anos. Mais tarde, as crianças são capazes de discriminar tatilmente a forma dos objetos, ainda que com um significativo atraso, quando esta tarefa é realizada visualmente (Warren, 1984).

Com respeito ao desenvolvimento da percepção da forma dos objetos por meio do tato, os diferentes autores coincidem ao apontar que o movimento ou a atividade perceptiva autodirigida aumenta com a idade, o que torna possível um melhor reconhecimento dessas formas. Como já foi dito, é exatamente essa necessidade da atividade exploratória que torna o sistema perceptivo háptico semelhante ao visual, ainda que o primeiro tenha um desenvolvimento muito mais lento. Tais diferenças no desenvolvimento podem ser explicadas (Warren, 1984) pelo fato de o sistema visual, mas não o háptico, estar preparado, desde muito cedo, para fazer os ajustes musculares finos necessários para explorar rapidamente os estímulos, e porque a distribuição espacial dos receptores do olho é mais adequada que a da mão para o registro simultâneo de padrões de estímulos espaciais.

Foram realizadas numerosas investigações sobre a capacidade dos cegos para captar relações espaciais mediante o tato. Sem examinar em profundidade tais trabalhos (ver, por exemplo Ochaita e Huertas, 1988), podemos dizer que existe um aumento gradual, entre os sete e os onze anos, para compreender tatilmente tarefas especiais de dificuldade mediana (topológicas e algumas métricas, na terminologia de Piaget).

Quando os problemas são mais complexos, como os que envolvem os relativos à perspectiva, tornam-se tão difíceis ao tato que só podem ser acessíveis aos cegos ou aos videntes que os realizam mediante este sistema sensorial, a partir dos quatorze ou quinze anos (Ochaita, 1984).

3. A representação do conhecimento

Um dos problemas que causa mais polêmica nos estudos da moderna psicologia cognitiva é o da representação mental do conhecimento. Sob a perspectiva do vidente, tende-se a considerar que o conceito de imagem mental coincide com o da imagem visual. No entanto, essas imagens não têm por que serem as únicas. De fato, todos têm representações baseadas em outras modalidades sensoriais, como a audição, o olfato, a gustação ou até mesmo a propriocepção. Portanto, mais uma vez encontramo-nos diante do fato de que os indivíduos privados da visão dispõe de uma ampla gama de possibilidades de perceber o mundo que os cerca, utilizando as modalidades sensoriais de que dispõem.

Vale a pena destacar dois aspectos, em relação à representação. Em primeiro lugar, a capacidade de representação dos diferentes sistemas sensoriais e, em segundo, as mudanças neles produzidas ao longo do processo de desenvolvimento.

Um aspecto que tem merecido a atenção dos investigadores é se existe um código háptico que permita uma representação funcional da informação na memória. Um bom número de trabalhos, a maioria realizada com adultos, estudou a capacidade de os cegos compreenderem tarefas de alternação de formas captadas mediante o tato. A investigação de Carpenter e Eisenberg (1978) constitui um exemplo típico: tratava-se de estimar se a imagem de uma letra ("P" ou "F") era a correta, tanto quando as letras encontravam-se em posição normal como com diferentes ângulos de inclinação. Dado que os cegos de nascença foram capazes de perceber mentalmente a alternação de formas nos eixos horizontal, vertical e oblíquo do espaço euclidiano, cabe inferir que o sistema háptico pode dar lugar a representações mentais de caráter espacial. Outros trabalhos (Miller, 1975, 1977; Pring, 1982; Fernández, Ochaita e Rosas, 1988) destacaram a possibilidade de reter, na memória, a curto prazo, a informação apresentada tatilmente. Isto é especialmente relevante para a leitura, já que os cegos podem ter acesso direto ao léxico a partir da codificação tátil, sem ter que passar através de um código fonológico.

Mas, além desta possibilidade de perceber mentalmente a informação em um código tátil, ocorre outro fenômeno interessante, referente à memória semântica. Comprovou-se experimentalmente que os cegos não apresentam diferenças em relação aos videntes no que diz respeito a sua capacidade de codificação semântica - profunda - da informação. Isto leva a pensar que, nos casos em que não tenham acesso a alguns tipos de informação, os cegos possam compreender o fenômeno de que se trate (por exemplo, um relâmpago ou uma nuvem), através da informação verbal. Isto torna-se especialmente evidente, quando a informação é apresentada de forma auditiva (Rosa e col., 1986) e, naturalmente, não se trata de um traço inerente à carência de visão, senão do resultado de um processo de aprendizagem ao longo do desenvolvimento.

No que diz respeito a este último aspecto, dispõem-se, também, de dados empiricos. Por um lado, descobriu-se que nos cegos, bem como nos videntes, a capacidade de armazenamento de material na memória a curto prazo aumenta com a idade, possivelmente devido à automatização de habilidades que permitem direcionar os recursos de atenção à utilização de estratégias ativas que permitem reter maior quantidade de informação (Fernandéz e col., 1988). Por outro lado, o fato de que o processamento profundo da informação aumenta de forma significativa no início da adolescência (Rosa e col., 1986), pode fundamentar a hipótese de que muitas tarefas que os videntes resolvem de modo analógico sejam feitas pelos cegos através da mediação verbal, quando esta habilidade já estiver dominada. Este último aspecto pode ser a chave de algumas peculiaridades do desenvolvimento cognitivo dos cegos. Mas deixaremos esta discussão para o final do capítulo.

4. O desenvolvimento psicológico

Exporemos, a seguir, o que podemos considerar "o perfil característico" do desenvolvimento psicológico das pessoas sem visão. No entanto, como foi dito na introdução, dentro do grupo de pessoas consideradas como cegas existe uma grande variação que impede fazer afirmações de caráter geral. Por outro lado, a indissolubilidade entre desenvolvimento e aprendizagem faz com que as condições familiares e educacionais concretas em que a criança cega cresce sejam aspectos centrais em seu desenvolvimento psicológico. O que se descreve, aqui, são os aspectos evolutivos gerais das crianças cegas de nascença (ou que perderam a visão nas primeiras etapas da vida) sem visão funcional, com certas condições familiares e educacionais mais ou menos normais.

4.1. A primeira infância

Existem poucos trabalhos sobre o desenvolvimento das crianças cegas nas primeiras etapas da vida, provavelmente, devido aos problemas metodológicos que envolvem as investigações com bebês, sobretudo em populações tão heterogêneas como a das crianças sem visão. Durante os primeiros quatro meses após o nascimento, o desenvolvimento de um bebê cego é muito semelhante ao de um vidente: exercita os reflexos de que édotado de forma inata e, posteriormente, constrói seus primeiros hábitos ou esquemas de ação em relação a seu próprio corpo, com exceção aos relativos à visão. Conseguirá, por exemplo, aperfeiçoar o esquema de segurar, coordenar a sucção e a preensão, bem como sorrir, quando ouve a voz de sua mãe.

É a partir desta idade que começarão a ser produzidas importantes diferenças no desenvolvimento das crianças cegas. Enquanto a partir do quinto mês, aproximadamente, as crianças videntesjá são capazes de segurar objetos sobo controle visual, realizando uma constante exploração das características dos mesmos e do lugar que ocupam no espaço, os bebês cegos somente têm consciência da existência dos objetos e do espaço que está fora do alcance de suas mãos, se estes emitem algum tipo de som. Ao problema óbvio de que o som não é uma propriedade de todos os objetos, deve-se acrescentar o fato de que a coordenação audiomanual e, conseqüentemente, a busca dos objetos mediante o som ocorre com um atraso de cerca de seis meses-em-relação à coordenação visual-manual.

O desenvolvimento da conduta de busca dos objetos pelos bebês cegos é o seguinte (Fraiberg, 1977). Antes dos sete meses, não há indícios de busca, quando se tira um brinquedo de sua mão, não tenta recuperá-lo. Entre os sete e os oito meses, começa a buscar objetos com os quais têm contato tátil, mas sem se aperceber do lugar em que o perdeu e muito brevemente: quando se faz soar o objeto perdido, não o busca, mas abre e fecha a mão, como se quisesse agarrá-lo. Não há nenhuma resposta diante de objetos sonoros, se a criança não os tocou previamente. Entre os oito e os onze meses, o bebê começa a buscar os objetos em torno do local onde os perdeu; quando derruba um objeto sonoro, é capaz de utilizar o som para buscá-lo, embora ainda não seja capaz de buscar um objeto mediante seu som, se não o tocou
       previamente. Por fim, aos 12 meses, é capaz de buscar um objeto guiando-se somente por seu som, o que pressupõe a coordenação definitiva entre o ouvido e a mão.

Assim, a construção de um mundo de objetos permanentes e de um espaço exterior que os contém, constituirá uma tarefa árdua para a criança cega. Embora, como veremos posteriormente, existam poucos trabalhos sobre a aquisição da permanência dos objetos pelas crianças cegas, parece que as dificuldades manifestam-se mais com respeito aos objetos físicos que aos sociais. Tanto Fraiberg (1977) como Warren (1984), afirmam que as respostas sociais diferenciadas dos bebês sem visão (sorriso ao ouvir a voz da mãe, a partir dos quatro meses, e condutas de medo diante de vozes desconhecidas, a partir dos oito), são indícios de um certo conhecimento da permanência das pessoas.

No que se refere ao desenvolvimento motor, quando as crianças cegas são bem estimuladas, as aquisições posturais (virar-se, sentar-se ou caminhar com ajuda) desenvolvem-se da mesma maneira e dentro da mesma faixa etária que nos videntes. Exceto na conduta de levantar-se com os braços quando estão de bruços, em que se encontram atrasadas aproximadamente oito meses, provavelmente, pela necessidade de que o bebê cego tem em utilizar as mãos como instrumento, para conhecer o mundo. É importante assinalar que existem atrasos importantes, em todos os aspectos que se referem à movimentação auto-iniciada; - as crianças cegas praticamente não engatinham e começam a andar sem ajuda aos 19 meses. Fraiberg (1977) explica este atraso pelo desconhecimento que as crianças cegas têm da existência dos objetos que não podem alcançar com os braços: somente quando a criança cega écapaz de buscar os objetos sonoros, começará a ter interesse em movimentar-se.

Por último, é necessário destacar a importância das relações afetivas no desenvolvimento adequado da criança cega. A aceitação da deficiência e o conhecimento, por parte dos pais, das potencialidades do bebê sem visão são indispensáveis para o estabelecimento de boas relações de afego.

4.2. Representação e função simbólica

As escassas investigações com as quais contamos sobre este tema parecem assinalar que existem maiores problemas nos aspectos puramente representativos ou figurativos que nos simbólicos e, sobretudo, comunicativos. Como veremos ao longo deste capítulo, a defasagem entre o figurativo e o verbal será uma constante no desenvolvimento das pessoas sem visão. A maioria dos investigadores coincidem em apontar a necessidade de estudar em profundidade a forma com que se adquire a permanência dos objetos, na ausência da visão. O primeiro trabalho, e, talvez o mais complexo, foi realizado por Fraiberg, em 1977. Esta autora encontrou um atraso entre 1 e 3 anos na aquisição da permanência dos objetos físicos, nas crianças cegas submetidas a seu programa de intervenção, o que explica devido à dificuldade que as mesmas têm na busca e recuperação dos objetos através do som. Recentemente, Bigelow (1986) realizou um interessante trabalho sobre o desenvolvimento das condutas de alcance e busca em relação à aquisição da permanência dos objetos em crianças sem visão, adaptando para estas crianças tarefas que considera semelhantes às propostas por Piaget como típicas das etapas 3,4 e 5 da permanência dos objetos. Descobriu, nas crianças cegas, uma seqüência de etapas semelhante à dos videntes, embora com um atraso de cerca de seis meses.

Independentemente da quantia exata de atraso que os cegos tenham nas condutas referentes à permanência dos objetos, é óbvio que lhes será muito mais difícil elaborar imagens desses objetos e de sua posição no espaço. O tato, somente permite conhecer os objetos próximos e o som não é, em absoluto, um substituto ideal da visão. Se considerarmos a imitação, mecanismo fundamental da formação de significantes, as observações de Fraiberg (1977) constatam que, na ausência da visão, ela é pobre, encontrando-se pouco evoluída.

Em relação à função simbólica, as crianças cegas encontram-se bastante atrasadas nas etapas de desenvolvimento do jogo simbólico, se comparadas às videntes, embora superem o atraso, aproximadamente, a partir dos seis anos. Isto se explica, por um lado, devido à dificuldade apresentada pela construção de uma imagem de si mesmo e dos demais (necessária para imaginar-se e imaginar os outros no jogo) e, por outro, devido aos problemas que, na ausência da visão, a criança tem para imitar as ações da vida diária que constituem o argumento dos jogos. Além disso, deve-se levar em conta que os brinquedos que são elementos simbólicos para uma criança vidente podem não ter nenhum significado para uma criança cega.

Foi realizado um maior número de trabalhos sobre a aquisição da linguagem (por exemplo Ladau e Gleitman, 1985). A evolução do balbucio, durante o primeiro ano de vida, é completamente normal e semelhante à dos videntes. No entanto, em nível pragmático, a falta de visão dificulta os estágios de comunicação pré-verbal entre a criança e sua figura de apego. Os dados sobre o surgimento das primeiras palavras não estão ainda bem claros: enquanto alguns autores encontraram um certo atraso, em comparação às crianças videntes, outros apontam que, quando a criança cega recebe estimulação suficiente, emite suas primeiras palavras na mesma idade que as videntes. Existem dados suficientes para afirmar que essas primeiras palavras referem-se a objetos situados no espaço próximo à criança. Seja como for, a partir dos dois ou três anos, a linguagem das crianças cegas é completamente normal, tanto sob o ponto de vista gramatical como semântico, cumprindo as mesmas funções que nas videntes. Existe, no entanto, uma importante exceção: na ausência da visão, as crianças cegas têm grandes problemas para utilizar corretamente os termos dêiticos, tanto pessoais (eu, tu), como espaciais (ir, vir, etc.), devido aos problemas de auto-representação a que aludimos ao falar do jogo, bem como a dificuldade na compreensão das relações espaciais.

4.3. A etapa escolar

Um esforço muito maior foi dado ao estudo do desenvolvimento cognitivo das crianças sem visão entre os6 e os 12 anos. Os trabalhos realizados, baseados na teoria piagetiana, tentaram verificar as afirmações que, segundo esta teoria, são feitas sobre o papel da ação e da linguagem no desenvolvimento cognitivo.

Hatwell (1966) estudou o rendimento das crianças cegas que freqüentavam escolas especiais em uma parte das tarefas características do período das operações concretas. Comparando-as com as crianças videntes que estudavam em escolas públicas de Paris, descobriu que tinham um atraso de 3 ou 4 anos nas operações infralógicas de caráter espacial, bem como nas operações lógicas do tipo manipulativo. No entanto, nas tarefas com maior base verbal, o rendimento das crianças cegas foi quase igual ao das videntes.

Posteriormente, outros autores (ver Rosa e col., 1986) estudaram o rendimento das crianças cegas em algumas tarefas de operações concretas. Nos testes de conservação, os dados confirmam, em geral, os resultados de Hatwell, embora se destaque que o atraso dos cegos esteja em função da gravidade da deficiência visual e da idade em que se produziu, bem como do tipo de educação (integrada-segregada) recebida. Higgins (1973) não encontrou diferenças entre crianças cegas e videntes em tarefas de classificação.

Stephens e Grube (1982) fizeram um amplo estudo sobre a aquisição das operações concretas nas crianças cegas de nascença. Nas tarefas de classificação e em algumas de conservação (substância e comprimento), não encontraram diferenças entre cegos e videntes. No entanto, o atraso dos cegos foi muito notável (e maior que o obtido pelos demais autores) em todos os testes figurativos: imagens e relações espaciais, bem como na conservação do volume. Além disso, esse atraso mantinha-se incluído no grupo de indivíduos com idades entre 14 e 18 anos.

Nós também estudamos amplamente o período das operações concretas nas crianças cegas de nascença (tanto nas que freqüentavam escolas especiais para cegos como nas integradas em escolas regulares), utilizando um grupo controle de crianças videntes que realizavam os testes com os olhos tapados e outro que utilizava a visão. Estudou-se o desenvolvimento das imagens mentais (Rosa, 1981), a aquisição das operações espaciais básicas (Ochaita, 1984), bem como as operações lógicas mais importantes de tipos de relações (Rosa e col., 1986; Ochaita e col., 1988).

Os resultados obtidos encontram-se na mesma linha que os dos autores anteriormente citados. Os cegos apresentam um atraso de 3 e 7 anos nos testes de caráter figurativo ou espacial (tarefas espaciais, de imagens, bem como seriações manipulativas). No entanto, nossos dados mostram que esse atraso é anulado entre osll eiS anos de idade, mesmo quando se trata das tarefas espaciais mais complexas. Pelo contrário, nos testes mais relacionados a aspectos lingüísticos (classificações, inclusões e seriação verbal), o rendimento de cegos e videntes foi similar. Portanto, encontramos uma seqüência típica no desenvolvimento das operações concretas nas crianças sem visão que conseguem resolver as tarefas de caráter verbal antes das de caráter figurativo e espacial. Esta seqüência é contrária às predições da teoria piagetiana sobre o desenvolvimento cognitivo e permite pensar que a linguagem tem o efeito de remediar as deficiências figurativas advindas da captação de informação através do tato. Estas deficiências manifestam-se, também, no grupo de videntes que realizavam os testes tatilmente, já que seus resultados são mais semelhantes aos dos cegos que aos do outro grupo de videntes.

4.4. Pensamento adolescente

Existem poucos dados sobre a capacidade dos adolescentes cegos para utilizar um pensamento do tipo formal ou abstrato. No trabalho anteriormente citado, Stephens e Grube não encontraram diferenças entre cegos e videntes na realização de uma tarefa combinatória, o que não ocorreu na compreensão do conceito de volume.

De nossa parte, estudamos os esquemas mais representativos do chamado pensamento formal (Pozo e col., 1985; Ochaita e col): controle de variáveis com material manipulafivo e verbal, combinatória e raciocínio causal. Não encontramos diferenças entre cegos e videntes em nenhum dos testes realizados. Pode-se dizer, portanto, que os cegos são capazes de resolver problemas de forma hipotética dedutiva na mesma medida que os videntes e que esse tipo de pensamento permite-lhes solucionar não somente as tarefas que têm um formato verbal, mas também aquelas com material manipulafivo ou espacial.

Parece, portanto, demonstrar-se que a linguagem (sem dúvida muito relacionada ao pensamento abstrato, mesmo na teoria piagetiana) cumpre um importante papel no desenvolvimento cognitivo das pessoas cegas. Possuir esta forma de pensamento, fato que permite pensar em termo de hipótese, transforma-se em uma poderosa ferramenta, capaz de remediar os problemas apresentados no acesso àrepresentação figurativa, na ausência da visão. Assim, as pessoas cegas são capazes de resolver as tarefas clássicas deste tipo de pensamento, mas podem até mesmo vir a compreender, mediante hipótese, problemas para os quais não têm acesso perceptivo direto.

5. Mobilidade e conhecimento do ambiente

Um dos aspectos mais problemáticos para as pessoas cegas é o conhecimento do espaço distante, ou seja, do ambiente que não podem alcançar com os braços e ao qual só têm acesso mediante dados auditivos, o movimento e a propriocepção.

Apesar de a visão ser o sentido espacial por excelência que permiter a movimentação e orientaçao nos espaços mais ou menos grandes, podemos afirmar que os cegos, mesmo os de nascença, são capazes de conhecer e perceber de forma adequada certos ambientes. Precisamente devido aos problemas causados pelo conhecimento do espaço na ausência da visão, são muitas as investigações que têm sido realizadas sobre o tema, apesar de não contarmos com conclusões definitivas (Ochaita e Huertas, 1988).

Como já dissemos, durante o primeiro ano de vida, as crianças cegas têm problemas na localização dos objetos e do espaço externo em seu próprio corpo, originados por terem que substituir a visão por um sistema sensorial muito menos adequado para detectar objetos à distância, como é a audição. A falta de interesse pelo mundo exterior faz com que o engatinhar (quando existe) e o andar sofram um atraso de seis ou sete meses em relação às crianças videntes. Existem diferentes hipóteses que tentam explicar a resistência que as crianças cegas apresentam para engafinhar. Ainda que, sob nosso ponto de vista, isto possa ser explicado pela função exploratória das mãos para o cego, certos autores como Ferrell (1985), consideram que esta conduta seja crítica e imprescindível para a elaboração de um andar adequado. Assim, atribuem os problemas posturais e de andar dos cegos adultos à falta de engatinhar na infância. No entanto, pensamos que é possível explicar tais problemas, aludindo as dificuldades que uma criança apresenta para imitar os modelos de postura e locomoção, na ausência da visão, sem necessidade de recorrer à rígida noção de "conduta crítica".

Temos poucos dados sobre as capacidades espaciais das crianças cegas de idades compreendidas entre os 2 e os 7 anos. Em geral, assinalam que a escassa interação com o ambiente cria, para a criança sem visão, problemas na aquisição do esquema corporal, bem como na compreensão de conceitos espaciais e ambientais. Landau, Gleitman e Spelke (1981) realizaram um interessante trabalho longitudinal sobre a capacidade para conhecer o espaço de uma menina cega entre os 2,7 e os 4,6 anos. Concluíram que, aos 2,7 anos, a menina manifestava conhecimento espacial, já que era capaz de inferir, em um recinto, um novo trajeto muito simples de outros já conhecidos. Aos 4,5 anos, era capaz de transferir relações espaciais muito simples da maquete de uma casa.

Também são escassos os trabalhos realizados sobre o desenvolvimento do conhecimento ambiental das crianças cegas. Dods, Howarth e Carter (1982) descobriram que as crianças cegas de onze anos tinham representações egocêntricas do espaço, utilizando o desenho como técnica para externalizar tais representações.

Em uma investigação recente (Huertas e Ochaita, 1988) estudamos a capacidade de os cegos de nascença, de idades compreendidas entre 7 e 14 anos, conhecerem e representarem um ambiente conhecido e relativamente pequeno (o recinto exterior do colégio, ver Figura 1), utilizando técnicas de externalização adequadas para os não-videntes (maquetes, estimativas de distâncias e mapas condutuais). Entre 7 e 9 anos, as crianças fizeram representações do tipo egocêntrico, levando em conta as relações espaciais de proximidade e distanciamento. Entre os 9 e 11 anos, as crianças encontram-se em uma etapa de transição entre um sistema egocêntrico e um fixo (Figura 2). Aos 14 anos, um dos indivíduos estudados foi capaz de fazer uma representação totalmente coordenada, com os elementos corretamente relacionados na seqüência linear em que se considerava perfeitamente as relações cima-embaixo e esquerda-direita. Alguns autores (como Foulke, 1982) afirmam que um cego de nascença nunca conseguirá estruturar o espaço de forma coordenada e configuracional, tendo representações mais elementares, por trajetos que estão mais de acordo com sua forma de perceber o espaço. No entanto, nossa própria experiência de investigação faz com que nos situemos na perspectiva de outros autores (como Warren, 1984), afirmando que alguns cegos de nascença podem conseguirrepresentar um determinado espaço de forma coordenada, embora isto dependa de variáveis do indivíduo, tais como o desenvolvimento cognitivo ou a familiaridade com o meio, bem como de outras relativas ao próprio espaço, como tamanho e complexidade.

6. A leitura dos deficientes visuais: o Sistema Braille

O acesso à informação escrita, por parte dos cegos, pode ser feito de diferentes maneiras, através do optacon, através de fitas cassete em velocidade normal ou acelerada, ou utilizando os recursos oferecidos pelas novas tecnologias da informática. Porém, o sistema mais utilizado atualmente e que comprovou amplamente sua eficácia éo Braille. Por este motivo, vamos dedicar-lhe grande parte da exposição que se segue. Como se sabe, o sistema de leitura-escrita Braille é formado por combinações de pontos sobre uma matriz de base 3 X 2 que, ao sobressair do papel, são captados pela pele dos dedos (ver Figura 3). Foi comprovado, experimentalmente, que o tamanho das celas do Braille e dos pontos que formam as letras está muito próximo do ideal sob o ponto de vista psicofísico.

O fato de o sistema de leitura-escrita ser utilizado, normalmente, com o tato faz com que os processos psicológicos que são acionados para sua leitura não coincidam com os empregados para a leitura-escrita visual. Detenhamo-nos em algumas de suas peculiaridades.


       6.1. Movimentos de mãos e velocidade da leitura tátil em Braille

Em primeiro lugar, a leitura é feita com a ponta dos dedos indicadores de uma das mãos, em função do grau de habilidade de leitura. O dedo, ou os dedos, deslizam mediante um suave movimento de escovação por sobre as linhas de escrita, captando, mediante movimentos horizontais, sagitais e de pressão, as configurações de pontos que constituem as letras. Note-se que isto significa que sempre há um único dedo lendo informação nova em um dado momento, salvo no caso de indivíduos muito especializados que conseguem, excepcionalmente, ler algumas letras, simultaneamente, com ambas as mãos, no momento em que se salta de linha. Mais uma vez, percebemos que as características do tato, e a ação perceptiva realizada com este sistema sensorial, obrigam a uma forma de captação da informação que, por sua vez, afeta as operações cognitivas a serem realizadas no processo de leitura. Do que acabamos de dizer, depreende-se outras duas particularidades da leitura Braille. Por um lado, a leitura é feita letra a letra, tendo-se descoberto que o tempo de leitura de uma palavra é superior ao do reconhecimento de cada uma das letras que a compõem — Nolan e Kederis (1969) informam sobre um aumento que oscila entre cerca de 16 e 196% . Por outro lado, a velocidade de leitura de um leitor cego experiente não supera 114 palavras por minuto (Mousty e Bertelson, 1985), enquanto a média dos videntes experientes encontra-se em torno de 280 palavras por minuto, e mais ainda, parece existir um limite absoluto na velocidade da leitura Braille, pois todas as tentativas em se aumentar a velocidade de leitura, mediante programas de treinamento, fracassaram até o momento (ver Ochaita e col., 1988).

Outro aspecto digno de nota é o fato de que a habilidade de leitura melhora muito lentamente ao longo do tempo, observando-se a presença relativamente importante de erros de decodificação até o final do Primeiro Grau. Algo semelhante ocorre com a velocidade de leitura e com os padrões de movimentos da leitura manual (Ochaita e col., 1988; Nolan e Kederis, 1969).

6.2. Erros na leitura tátil do Braille

O fato de o alfabeto Braille ser formado por configurações de pontos que são reconhecidos tatilmente faz com que existam, também, algumas peculiaridades nos erros de reconhecimento de padrões por parte dos indivíduos, especialmente dos mais inexperientes. Não temos, aqui, espaço suficiente para referirmo-nos com detalhe a este aspecto, mas basta assinalar que os erros mais frequentes sao o acréscimo à omissão de pontos e a rotação de formas. Com respeito a este último tipo de erro, deve-se assinalar a possível influência que o ensino da escrita com "régua" pode ter sobre sua persistência, o que faz com que se tenha que escrever pressionando sobre o papel com uma punção na direção da direita para a esquerda, fazendo com que as letras escritas estejam "invertidas" em relação a sua configuração, quando são lidas. Por outro lado, comprovou-se que as letras que incluem um maior número de pontos, especialmente os correspondentes à última fileira (pontos 3 e 6). e, mais ainda, se têm um eixo dominante oblíquo e trata-se de letras pouco familiares, oferecem uma dificuldade especial para seu reconhecimento. Em espanhol, estas características coincidem com as últimas letras do alfabeto.

6.3. Diferenças entre a leitura Braille e a leitura visual

Como pode-se supor, a partir do que foi exposto até o momento, a leitura tátil do Braille inclui um conjunto de aspectos que a diferenciam da leitura visual. Por um lado, enquanto a leitura visual é realizada através de rápidos movimentos oculares, em cujas fixações apreende-se mais de uma palavra em sua totalidade, no caso do Braille a sensibilidade tátil obriga a uma lenta exploração letra a letra, o que pressupõe uma considerável carga de memória. Não obstante, dada a lentidão deste processo, os leitores cegos experientes são capazes, com a ajuda do contexto, de lançar hipóteses acerca das letras finais de uma palavra conhecida, evidenciando-se que aproveitam a informação semântica oferecida pelas palavras de um modo mais adequado que os videntes.

Por outro lado, as próprias características físicas do Braille influem também nos processos cognitivos da leitura. O fato de que cada ponto é fundamental para a identificação da letra, e que existe uma reduzida redundância perceptiva faz com que haja um maior emprego de recursos de atenção para a análise de traços e para a percepção, tornando-se disponível menos capacidade residual de processamento para o acesso a um código fonológico, com o que se passa diretamente de um código tátil ao léxico interno. No entanto, quando a legibilidade do material diminui (a saliência dos pontos sobre o papel), o efeito da ajuda semântica desaparece, pois o processo de decodiflcação ocupa maior tempo, havendo uma diminuição dos recursos para atender a processos não perceptivos (Pring, 1982, 1984, 1985).

6.4. Algumas sugestôes para o ensino do Braille

Por último, faremos referência a alguns aspectos importantes para o ensino da leitura-escrita Braille. Demonstrou-se que a aprendizagem visual deste alfabeto é mais fácil e eficaz para seu uso tátil que a utilização de um programa de treinamento exclusivamente tátil desde o princípio; se, além disso, neste primeiro momento, utilizam-se celas de tamanho aumentado, esta eficácia torna-se ainda maior (Newman, Hail e col., 1982). Isto é importante em relação ao aproveitamento dos resíduos visuais para o ensino.

Finalmente, temos que fazer referência a outros sistemas de acesso à informação. A audição de fitas cassetes, em alta velocidade, pode ser, às vezes, uma alternativa importante à leitura tátil. O trabalho de Tuttle (1974) evidenciou que os cegos são capazes de "ler escutando" a uma velocidade de 275 palavras por minuto sem que sua compreensão seja comprometida.

Se somarmos a este dado as possibilidades oferecidas pela microinformática, com sintetizadores de voz, aparelhos de leitura óptica e programas de tratamento de texto específicos para cegos, que permitem até mesmo aproveitar os resíduos visuais, mediante a manipulação do tamanho das apresentações na tela do monitor, e, até, com telas táteis em Braille, podemos ter idéia de como estes avanços técnicos podem constituir uma ajuda definitiva para superar os problemas apresentados por este tipo de leitura. A utilização de impressoras Braille e em alfabeto romano, juntamente com a possibilidade de que em uma tela apareça o texto em qualquer um dos dois alfabetos, representa um avanço definitivo para a eliminação dos problemas de comunicação que podem ocorrer no ensino integrado.

7. Resumo e conclusões

Resumindo, dos dados de que se dispõe, atualmente, pode-se concluir que os deficientes visuais podem atingir um desenvolvimento intelectual semelhante ao dos videntes. Não obstante, o caminho do desenvolvimento não coincide com o que estes últimos, normalmente, seguem. Os motivos desta discrepância não são, de modo algum, o resultado de uma patologia resultante do dano visual, senão a conseqüência presumível da utilização dos recursos de que estes indivíduos dispõem. São dois os fatores principais, apontados como responsáveis por estas peculiaridades evolutivas; o modo tátil de coletar informação e a remediação verbal (Rosa e Ochaita, 1989).

Já havíamos mencionado como o comprometimento visual faz com que o sentido do tato passe a ser o sentido com o qual se capte, primordialmente, a informação dos objetos. O desenvolvimento das habilidades percepfivas táteis, como é de se esperar, afeta o conhecimento do meio e marca seu próprio ritmo na construção de estratégias de conhecimento. Em suma, as limitações do sistema perceptivo tátil fazem-se notar no desenvolvimento cognitivo. Mas não há motivo para que esta pobreza relativa do tato em relação à visão marque um limite absoluto ao conhecimento, pois o indivíduo dispõe de outros recursos, entre os quais a linguagem revela-se como um fator de importância primordial. Os resultados experimentais que evidenciam como os cegos resolvem tarefas que se sustentam, fundamentalmente, sobre a linguagem nas mesmas idades que os videntes, enquanto outras que têm um componente manipulativo-espacial-figurativo não são resolvidas até um momento posterior, corroboram a explicação de que o atraso na solução destas últimas depende do desenvolvimento das habilidades táteis. Por outro lado, o fato de que as diferenças de rendimento entre cegos e videntes desaparecem ao mesmo tempo que o processamento profundo da informação adquire uma presença funcional importante e manifesta uma forma proporcional do pensamento, levam a pensar que a Linguagem ocupa um papel de primeira ordem no funcionamento cognitivo do cego. O fato de que algumas tarefas experimentais, cuja estrutura ésupostamente concreta (na terminologia piagetiana), não são resolvidas precisamente até que estas habilidades estejam desenvolvidas, poderia dever-se ao fato de que, na ausência da visão, sua resolução requeira a utilização de habilidades mais sofisticadas que as propriamente concretas.


NOTAS

1. Um tratamento em profundidade deste tema pode ser encontrado em Ochaita, Fernández e Huertas (1988).

Referência bibliográfica:

OCHAITA, Esperanza; ROSA, Alberto. Percepção, ação e conhecimento nas crianças cegas. In: COLL, César; PALACIOS, Jesús; MARCHESI, Álvaro (org.) Desenvolvimento
       psicológico e educação: necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. v.3, p.183-197.

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